Personalização ajuda a conquistar clientes, mas exige compreensão e uma generosa dose de bom senso

Ser chamado pelo primeiro nome. Ganhar um cupom de desconto ou brinde por ter se tornado cliente fiel de uma marca. Perceber que determinado site conhece bem seus interesses, a ponto de sugerir itens de que estava precisando. Quando bem utilizados, os dados fornecidos na hora da compra são úteis para empresas personalizarem o atendimento e conquistarem clientes. Entretanto, os mesmos recursos, se usados em excesso, também podem ser fonte de muito aborrecimento.
Para Marcos Bedendo, professor do Hub de Canais Digitais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), tal personalização é esperada e até desejada por muitos consumidores. "Hoje em dia, é possível fazer um atendimento humanizado em escala; aí, o que acontece é que, conforme você tem esse atendimento em alguns serviços, isso eleva a régua do mercado e todo mundo começa a querer esse mesmo tratamento, inclusive em lugares em que isso não está disponível ainda", observa.
Como exemplo, ele lembra de um trabalho de consultoria que prestou a uma construtora. A certa altura, a maneira como o avanço da obra estava sendo reportado, com um relatório feito por um engenheiro, foi alvo de críticas.
"Começou a haver reclamações e pesquisamos para entender a razão do problema. [Alguns clientes] Estavam achando um absurdo eles conseguirem acompanhar onde estava sua comida pelo iFood, porque você tem um GPS no motoboy, de um jeito melhor do que conseguiam acompanhar uma obra que custava uns R$ 50 milhões", conta.
'Acesso qualificado'Para uma personalização que seja pertinente aos consumidores, Bedendo destaca a importância da quantidade e da qualidade das informações coletadas. Mas, segundo ele, mesmo quando se tem um banco de dados rico sobre os clientes, ainda há muitos envios irrelevantes. "É um processo que as empresas ainda fazem porque elas têm um custo de acesso a você que é perto do zero. Quanto custa enviar um e-mail a mais? Mas, aí, elas perdem grandes chances de ter um acesso qualificado às pessoas. Para acertar 150 mil pessoas, eu disparo para 15 milhões e incomodo 14 milhões e 850 mil."
O fato de receber apenas conteúdos que foram solicitados é o que faz a coordenadora de comunicação, pesquisa e documentação Carolina Guastaferro, de 41 anos, ficar satisfeita com o atendimento que recebe de uma rede de saúde que reúne diversos laboratórios. Ela, que está grávida, usa constantemente o aplicativo da empresa para marcar seus exames de rotina.
"Eles avisam, pelo canal que você escolher, que os exames foram aprovados pelo convênio, que os resultados já saíram, quais as instruções de preparo", conta. "Eles são muito menos invasivos do que outros laboratórios, que ficam enviando e-mail toda hora chamando para fazer exames aleatórios, que eu nunca fiz na vida."
Novo perfilNa área de marketing, sempre foi muito usado o conceito de público-alvo, que consiste em categorizar uma pessoa por gênero, idade, faixa de renda. Hoje, o mais importante é identificar a persona, que inclui compreender seus hábitos e estilo de vida. "Personalização é entender o cliente, seu comportamento de consumo, o motivo que ele tem para escolher você e não eu. Então, oferta personalizada envolve esse entendimento, que precisa ser muito, muito estudado", afirma Guilherme Lui, consultor de negócios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP).
Para ele, a melhor ferramenta de comunicação com clientes é hoje o WhatsApp, algo acessível também para pequenas e médias empresas. "Você só precisa de um número de telefone, de um aparelho e de uma pessoa para responder o dia todo", resume Lui. "Mas também é preciso mudar a mentalidade do que se pergunta para o cliente. Os dados de cadastro do cliente devem ser os dados de que você precisa para fazer novas vendas, novos atendimentos, e não RG e CPF", observa.
Criador de uma plataforma de marketing especializada em alimentação, a Repediu, Fernando Nogarini acredita que compreender bem o perfil do consumidor também é fundamental para evitar "gafes". "Nada pior do que oferecer um hambúrguer de carne bovina para um vegano", exemplifica.
A principal funcionalidade de sua startup é um CRM (Customer Relationship Management ou, em português, Gestão de Relacionamento com o Cliente). "Nós nos integramos ao sistema do restaurante ou do delivery, puxamos as informações e buscamos a compreensão do comportamento dos clientes, como produtos preferidos, ciclos e frequência de compra. Isso permite que [o estabelecimento] possa fazer campanhas de marketing mais criativas", explica.
'Recompensas afetivas'Para Henrique Machado, CEO da Di Matteo Açaí, que utiliza a plataforma de CRM da Repediu em todas as suas franquias, as "recompensas afetivas" também são uma boa forma de fazer o consumidor se sentir único. Como exemplo, ele se recorda de uma campanha em que escolheu apenas um cliente, o mais fiel de sua loja em Jales, no interior de São Paulo - onde a rede nasceu -, para ter acesso a uma receita exclusiva de um creme de fruta, que não constava no cardápio.
"Muitas pessoas acham que tem que dar somente recompensa financeira, descontos, cupons, mas, às vezes, dar uma exclusividade para certos clientes que já são fãs da marca é muito mais assertivo", afirma Machado.
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