Sem amigos em Washington, Brasil conta com empresários dos EUA contra tarifaço de Trump

Produtores brasileiros que exportam para os EUA podem encontrar alívio ao tarifaço de 50% anunciadas por Trump com uma ajuda de empresários norte-americanos. Temendo o aumento imediato nos preços de insumos brasileiros, eles tendem a negociar cotas e exceções com Washington, o que pode beneficiar a produção brasileira.
Segundo Oliver Stuenkel, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, a mobilização do setor privado americano será fundamental. Ele ressalta que a diplomacia brasileira deve ajudar a coordenar esse movimento em busca de alternativas à tarifação.
Com as novas tarifas, projeta-se alta nos preços em várias atividades — como construção civil, manufatura, alimentos e bebidas. Já há expectativa de mobilização por parte de empresários e governos estaduais da Flórida, Geórgia, Michigan, Ohio e Texas.
A estratégia de negociação setorial por cotas ou exceções por parte dos americanos, torna-se ainda mais relevante diante de possíveis retaliações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da estimativa de que os produtores brasileiros possam ter perdas em até US$ 23 bilhões até 2026.
Alguns segmentos já estão se organizando em torno dessa estratégia. Associações produtoras de café, por exemplo, buscaram suas similares americanas para chegar a uma solução negociada.
“A grande esperança é que os compradores [americanos] possam fazer esse trabalho para o Brasil”, afirma o professor. Para ele, os importadores dos EUA podem ter mais peso nas negociações, sobretudo considerando o discurso de Trump centrado em “defesa dos interesses americanos”.
Canais de negociação entre Brasil e Estados Unidos estão obstruídosStuenkel observa que há poucos canais oficiais de negociação direta entre os governos de Brasil e Estados Unidos. O próprio Trump afirmou, no fim de semana, que pode vir a ligar para o presidente Lula — “mas não agora”.
“O Brasil não tem uma super operação em Washington que possa ser acionada a curto prazo. Não tem senadores americanos que sejam amigos do Brasil e que possam ligar para Trump e negociar. Israel tem isso, o México tem isso, mas o Brasil não tem”, diz o professor.
Enquanto isso, o governo brasileiro já sinalizou que pretende usar a Lei de Reciprocidade Econômica, que prevê contramedidas diante de tarifas como as impostas por Trump. No entanto, essa resposta pode se voltar contra o próprio Brasil e ser um tiro pela culatra.
Brasil é parceiro comercial secundário para os EUAComo o Brasil é apenas o 15º maior parceiro comercial dos EUA, o anúncio das tarifas — feito em carta de Trump a Lula — não teve repercussão significativa no mercado americano. O tema não ganhou espaço no debate público, nem gerou pressão sobre a Casa Branca, o que reduz a perspectiva de uma negociação direta por parte do governo brasileiro.
Segundo William Castro Alves, estrategista-chefe da plataforma de investimentos internacionais Avenue, a explicação é simples: “A importância do Brasil para os Estados Unidos é bastante reduzida. “Essa é a verdade. O impacto para a economia americana é muito baixo”, afirma. Mesmo com aumento de preços em alguns setores, não se espera um efeito inflacionário relevante nos EUA.
Associações brasileiras estão negociando diretamente com parceiras nos EUADiante desse cenário, alguns setores nacionais estão se organizando para encontrar uma solução às tarifas impostas pelos EUA. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e a National Coffee Association (NCA) — entidade norte-americana que representa torrefadores, varejistas, fornecedores e grandes empresas — estudam uma solução alternativa para o setor.
O objetivo da negociação é incluir o café em uma lista de exceções às tarifas, com o argumento de que o produto não é produzido nos Estados Unidos, país que é o maior comprador mundial da commodity.
No Brasil, o café lidera as exportações do agronegócio para os EUA. No primeiro semestre deste ano, as vendas somaram US$ 1,2 bilhão — o equivalente a um sexto de todo o comércio exterior do setor com o país.
Stuenkel chama a atenção para uma visão equivocada: a de que a única saída seria reverter totalmente as tarifas. Segundo ele, a indústria americana tende a negociar isenções específicas, não uma revogação ampla. “Existem mil formas de oferecer exceções, cotas. Muitas vezes se pensa que ou as tarifas valem para todos, ou são anuladas para todos — e não é assim que funciona”, afirma.
Há, inclusive, setores da economia americana que podem apoiar a manutenção das tarifas por motivos protecionistas. Isso inclui os beneficiados pela Seção 232, que autoriza o presidente dos EUA a impor restrições à importação de produtos considerados estratégicos para a segurança nacional, como semicondutores, minerais críticos e insumos farmacêuticos.
Estados afetados tendem a pressionar governo Trump por exceçõesAinda assim, os efeitos concentrados em determinados setores ou regiões dos EUA podem jogar a favor do Brasil nas discussões sobre o tarifaço de Trump. Stuenkel explica que, quanto mais geograficamente localizado o impacto, maior a chance de pressão política.
“Se há um problema que afeta três milhões de pessoas em um estado, o governador vai levar isso à Casa Branca. Mas se essas pessoas estiverem espalhadas pelo país, pode não haver impacto político algum.”
A indústria da construção civil americana deve ser uma das mais atingidas. Insumos como cimento, aço, madeira, pedras ornamentais, parafusos e materiais de acabamento terão aumento imediato de custos. Empresas da Flórida e Geórgia, por exemplo, podem ver os preços do cimento dispararem, o que afetaria obras públicas e privadas.
Segundo relatório da XP Investimentos, a nova tarifa de 50% será aplicada sobre as alíquotas já existentes. No caso do aço e do alumínio, que já são taxados em 50%, o total pode chegar a 100%. Ainda assim, empresas brasileiras com operações nos EUA podem mitigar parte dos efeitos e até redirecionar sua estratégia de produção.
Tarifaço de Trump pode fazer empresas americanas reverem comprasA indústria automotiva pode ser afetada, ainda que não compre peças prontas do Brasil. A alta do aço importado pressiona os custos das montadoras.
Já no setor aeroespacial, companhias como a American Airlines, que operam aeronaves da Embraer, podem adiar ou cancelar aquisições para renovação de frota. A nova tarifa pode reduzir em até US$ 220 milhões o lucro operacional da Embraer — o equivalente a 35% da projeção para 2025.
No setor de alimentos, a alta de preços afetaria itens como café, suco de laranja e carne enlatada. Segundo Stuenkel, as indústrias de bebidas e alimentos processados têm pouca margem para absorver os aumentos.
Relatório do analista Andrew Charles, da TD Cowen, estima que o lucro da Starbucks pode cair 1,4% com a alta do café — produto no qual o Brasil lidera as exportações para os EUA, com 22% do total em 2024. No entanto, William Castro Alves lembra que commodities como o café podem ser facilmente substituídas por produtos da Colômbia, Etiópia ou Indonésia.
Resposta brasileira ao tarifaço de Trump será fundamental para o desfechoApesar dos esforços da indústria americana, o efeito real das tarifas depende também da resposta brasileira. William Castro lembra que, até o momento, países que adotaram retaliação tarifária apenas “escalaram” a disputa, sem conseguir revertê-la de forma eficaz. “Ficou claro que buscar a reciprocidade ou também tarifar os EUA não foi uma estratégia inteligente para quem tentou isso”, afirma.
O governo brasileiro pretende regulamentar nesta semana a Lei de Reciprocidade Econômica. Segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin, a medida será publicada até terça-feira (15). Também será criado um comitê com integrantes do governo e do setor privado para avaliar os próximos passos. A depender da postura brasileira, os esforços americanos por mitigações podem ser reforçados — ou frustrados.
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