Marfrig suspende produção de carne destinada aos EUA em Mato Grosso

A Marfrig decidiu paralisar a produção de carne bovina destinada aos Estados Unidos em seu complexo de Várzea Grande, no Mato Grosso. A decisão foi comunicada pela própria empresa ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), sob a alegação de razões comerciais, segundo informações obtidas pela Folha de S.Paulo.
A reportagem entrou em contato com a companhia, mas não obteve retorno. À Folha, a empresa informou que não se manifestaria sobre o assunto.
Conforme a publicação, a suspensão da atividade teve início no último dia 17, cerca de uma semana após o anúncio, pelo presidente americano, Donald Trump, da elevação das tarifas adicionais sobre produtos importados do Brasil de 10% para 50%, prevista para ter início na sexta-feira (1º). A retomada da produção, ainda sem data definida, deverá ser informada aos órgãos de fiscalização com 72 horas de antecedência.
Os Estados Unidos são o segundo principal destino das exportações brasileiras do setor, atrás apenas da China. Em 2024, 189,2 mil toneladas de carne bovina foram enviadas do Brasil para o mercado americano, o equivalente a 7,4% de todas as vendas externas do país, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). O volume correspondeu a US$ 11,7 milhões em faturamento.
Com operações de abate, desossa e processamento industrial de carne bovina, a unidade de Várzea Grande é uma das mais importantes da Marfrig, que conta com outras três plantas, em Bataguassu (MS), Hulha Negra (RS) e Promissão (SP).
O complexo foi adquirido da BRF em dezembro de 2018 por R$ 100 milhões e faz o abate de cerca de 3 mil animais por dia. O local está habilitado para exportar para 22 países, incluindo a China e mercados europeus, além dos Estados Unidos.
As exportações de carne bovina para os Estados Unidos já recuam desde o início da vigência da tarifa adicional de 10% sobre produtos brasileiros. Depois de somar 44,2 mil toneladas exportadas em abril, volume recorde para um mês na relação entre os países, o setor embarcou 22,5 mil toneladas em maio e 13,4 mil toneladas em junho.
Setor de carne bovina pode perder até US$ 1 bilhão em 2025 com tarifaçoNo último dia 16, frigoríficos do Mato Grosso do Sul também anunciaram a suspensão preventiva de sua produção destinada ao mercado americano.
Segundo comunicado do Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados do estado (Sicadems), a medida foi adotada diante do cenário de instabilidade, “enquanto se aguarda uma definição oficial e concreta que permita a retomada das exportações aos Estados Unidos com segurança e viabilidade econômica”.
“Nesse momento, essas indústrias estão trabalhando para realocar a produção suspensa para o mercado interno e outros mercados externos, como forma de minimizar os impactos e preservar a continuidade da produção na sua totalidade”, diz a nota da entidade.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Roberto Perosa, afirmou na terça-feira (29), que o setor de carne bovina pode perder até US$ 1 bilhão somente em 2025 caso a tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos entrar de fato em vigor.
“É um grande impacto para a cadeia, que não tem uma reacomodação imediata. Claro, existem outros destinos para os produtos, mas nenhum com a mesma característica do mercado americano, com esse tipo de corte e essa demanda de volume”, disse Perosa à Exame.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calcula que o agronegócio brasileiro deixará de exportar US$ 5,8 bilhões aos EUA com a sobretaxa. O valor representaria uma queda de 48% nas exportações ao mercado americano em comparação com 2024.
Outros setores também paralisam atividades, demitem e impõem férias coletivasA decisão da Marfrig por interromper a produção destinada aos Estados Unidos se soma a de empresas de outros setores que também temem a queda nas vendas com o início do tarifaço.
Com as negociações entre os governos brasileiro e americano travadas até o momento, empresas importadoras dos Estados Unidos têm suspendido contratos de compra e indústrias de diferentes áreas se viram obrigadas a paralisar atividades, demitir funcionários e impor férias coletivas forçadas.
Um estudo do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estima que o tarifaço americano pode levar a até 110 mil demissões no país. O impacto seria de 40 mil postos de trabalho na agropecuária, 31 mil no comércio e 26 mil na indústria.
Conforme o levantamento, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro encolheria 0,16%, o equivalente a uma redução de R$ 19,2 bilhões. Os estados mais prejudicados, em termos absolutos, seriam São Paulo (-R$ 4,4 bilhões), Rio Grande do Sul (-R$ 1,9 bilhões), Paraná (-R$ 1,9 bilhão), Santa Catarina (-R$ 1,74 bilhão) e Minas Gerais (-R$ 1,66 bilhão).
Em meio ao clima de tensão gerado entre empresários e à dificuldade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de negociar uma redução, adiamento ou flexibilização do tarifaço com os Estados Unidos, alguns estados já anunciaram medidas de ajuda às empresas afetadas, com o objetivo de minimizar prejuízos, falências e demissões.
O governo federal também estuda medidas de socorro a empresas e preservação de empregos, de modo a evitar demissões em massa diante do cenário cada vez mais inevitável do tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. A proposta incluiria medidas de facilitação de crédito para empresas exportadoras, além de um programa de manutenção de trabalho e renda.
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