Experiência negativa marca mais os clientes; serviço de excelência e resposta eficaz encantam

Acompanhado de sua mulher e dos dois filhos pequenos, o professor universitário Vinicius Prates Bueno, de 53 anos, aproveitou um intervalo livre, numa tarde de domingo, para ir a uma loja de departamentos comprar diversos itens de vestuário para a família. Na hora de pagar, foi fisgado pela oferta de um bom desconto, mediante a abertura de um cadastro "rapidinho", segundo lhe disse o caixa. A promessa de rapidez não se cumpriu. Sob pressão dos filhos inquietos e diante do horário do próximo compromisso se aproximando, a família desistiu da compra e deixou a loja com uma história de frustração para contar.
"O plano de aproveitar um intervalo livre para fazermos, juntos, todas as compras básicas de roupas de que estávamos precisando virou uma frustração irritante, e ficamos com uma certa antipatia em relação à loja", relatou o professor, que afirmou ainda ter contado o episódio a "três ou quatro amigos".
Pesquisas indicam que, nas relações de consumo, os clientes tendem a compartilhar mais suas experiências negativas do que as positivas. Segundo um estudo do Temkin Group (atual Qualtrics XM Institute), episódios de insatisfação costumam ser divulgados para até três vezes mais pessoas do que relatos de boas experiências.
Além de mais compartilhados, testemunhos negativos têm maior impacto sobre as decisões de compra das pessoas. De acordo com um estudo da Harvard Business Review, uma experiência negativa pode influenciar a decisão de compra duas a três vezes mais do que uma positiva. E, segundo pesquisa da plataforma BrightLocal, 86% dos consumidores confiam mais nesses testemunhos do que na publicidade feita pelas próprias marcas.
RapidezO coordenador do Núcleo de Varejo e Retail Lab da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP), Ricardo Pastore, afirmou que, ao buscar oferecer boas "experiências de usuário" (User Experience, ou "UX"), por meio da "omnicanalidade" - integração dos múltiplos canais e plataformas, presenciais e online, de interação com o cliente -, um dos grandes desafios das empresas é atender à pressa crescente dos consumidores.
O avanço tecnológico integrado ao cotidiano faz com que as pessoas tenham expectativas cada vez maiores de rapidez em todas as etapas das relações de consumo: desde o acesso às opções de compra até a entrega do produto, incluindo o processo de pagamento e respostas rápidas a possíveis reclamações ou dúvidas.
Nesse contexto, como ressaltou Suzane Veloso, vice-presidente de Marketing da consultoria Falconi, empresas e marcas "precisam encantar". O encantamento pela marca pode ser gerado por produtos e serviços de excelência, respostas claras e eficazes, experiências estéticas e lúdicas envolventes, antecipação de desejos ou, idealmente, pela combinação desses fatores.
Por mais que ampliem seu arsenal de sedução, as empresas não podem, entretanto, perder de vista o fato de que, para que a satisfação dos clientes seja duradoura, valorizar o tempo das pessoas prestando atendimento simples, prático e rápido, sempre que necessário, é fundamental.
SinergiaA inteligência artificial (IA) vem se tornando cada vez mais presente nas interações entre marcas e consumidores, trazendo, em muitos casos, melhorias significativas em termos de praticidade, velocidade e eficiência - elementos que beneficiam diretamente o cliente.
Assim como costuma ocorrer com qualquer avanço tecnológico, contudo, é essencial que os gestores estejam atentos para que a adoção de novas ferramentas não encubra problemas internos da organização. Sozinhas, as IAs não são capazes de promover uma escuta ativa e sistêmica dos anseios dos clientes nem resolver gargalos nos processos e na cultura empresarial.
"A IA não resolve sozinha problemas como baixa integração e sinergia organizacional", alertou Roberto Kanter, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), especializado em varejo. Segundo ele, empresas que não conseguem entender seus clientes e responder a eles com agilidade não aproveitam todo o potencial das novas tecnologias - e ainda correm o risco de, usando-as de modo desarticulado, gerar novos problemas.
Teoria dos jogosUma experiência como a vivida pelo Vinicius - na qual a loja prioriza a extração de dados (por meio de cadastros) ou a criação de vínculos (como programas de milhagem ou cartões da marca) em situações em que a agilidade é essencial para a satisfação do cliente - revela um desequilíbrio na cultura organizacional e nos incentivos que orientam as equipes de atendimento e vendas.
David Kallas, consultor e professor do Insper, analisou esse tipo de comportamento à luz da Teoria dos Jogos. Segundo ele, quando o objetivo é construir uma relação contínua, a busca de engajamento do cliente com a marca não deve atropelar uma experiência de consumo sem acidentes e satisfatória.
SurpresaA atenção ao real interesse do cliente, o que faltou no caso do professor Vinicius, prevaleceu em um recente episódio relatado pela bióloga Angelita Ramos, de 51 anos. Ao receber um medicamento em domicílio, Angelita constatou que havia se enganado ao fazer a compra online. O remédio que havia pedido e que foi entregue não era exatamente o prescrito pelo médico.
Antes de ligar para a farmácia, ela contou que respirou fundo, imaginando que teria trabalho ou que o reembolso demoraria a ser feito. Mas foi surpreendida pela ligeireza da solução. "Bastou uma rápida ligação telefônica", disse Angelita. "Devolvi a caixa do remédio pelo correio e, em dois dias, o estorno do valor apareceu na minha conta."
Mesmo não tendo sido um erro da farmácia nem do seu sistema de vendas online, a central de atendimento telefônico teve, nesse caso, a capacidade de providenciar a solução do problema sem demora nem custo para o consumidor. Uma boa jogada da rede de drogarias que, desde então, é a predileta da bióloga.
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