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A precipitação de casar

A precipitação de casar

Na semana que passou fiz mais um casamento. A Carolina e o Ageu. Ela portuguesa, ele brasileiro. Ela fisioterapeuta, ele jogador da bola. Ela católica de origem, ele evangélico. Ela convidada por ele para ir à igreja, primeiro hesitante, e, finalmente, descendo às águas do baptismo. Ele, confiante e, com os olhos no prémio, avançando namoro e noivado de seguida.

Casar pessoas é do melhor que há na vida de um pastor evangélico. Não é à toa que a primeira coisa substancial que Deus fez com seres humanos foi casá-los. Havia um Adão e o Criador inventa-lhe uma Eva. Do paraíso tudo se diz ser bom mas não é bom Adão andar sozinho. Nem os muitos bichinhos que tinha à volta lhe podiam dar o que só lhe daria depois a sua mulher.

Só quando Eva é criada o paraíso se torna realmente o paraíso. Sem mulher um homem pode ter muito com que entreter mas todos sabemos que não chega. Um dos mistérios mais fascinantes da Bíblia é o detalhe de haver um mundo supostamente perfeito para Adão mas que, na prática, é igualmente um tédio. Só quando Eva é criada a partir dele, metade amiga, metade adversária, é que a existência, como a conhecemos, pode realmente começar.

Os noivos que nos chegam às mãos pertencem ainda a esse estado de tédio, onde as fantasias mandam mais do que os factos. Tudo é vontade, tudo é futuro, tudo é vida em potencial. Vivemos num paraíso feito da ausência do que o paraíso a sério destruirá assim que o vivamos casados. O casamento mete-nos no paraíso a sério que é também o paraíso perdido. Não é à toa que o capítulo 1 e 2 do livro do Génesis existem sem pecado e o 3, o da vida de casado, traz a queda.

Isto é suposto animar ou desanimar alguém a casar? Nem eu sei bem mas faz parte daquilo que se prega num casamento. Ao quererem casar, a Carolina e o Ageu precipitaram-se e a precipitação de casar faz parte do fenómeno de ao mesmo tempo viver e perder o paraíso. Por que continuamos a ter medo do casamento? Porque, ainda que inconscientemente, algo nos diz que será muito bom e que será muito mau. No fundo, a vida normal.

Os casais que nos últimos tempos têm casado na Igreja da Lapa têm sido sobretudo estrangeiros. Será que nós, portugueses, andamos especialmente receosos de casar e de nos precipitarmos na experiência dupla de ganhar e perder o paraíso? Os leitores, conhecendo a minha propensão para simplificações culturais, facilmente adivinham que eu acho que sim. Ainda por cima, fiquei vitaminado pela releitura do “Portugal Hoje—o medo de existir” do José Gil.

O verbo precipitar partilha uma raiz visível com a palavra precipício. Não estaríamos completamente errados se disséssemos que, no contexto do casamento, Adão e Eva foram retirados do paraíso, numa espécie de começo do precipício. Acrescentaríamos, ainda assim, que, logo nessa ocasião fatídica, Deus prometeu que aquele casamento, agora ensombrado, daria frutos—frutos que nos alimentam no meio da confusão dele (e o apocalipse positivo torna-se o casamento cósmico entre Cristo e a Igreja).

Precisamos de sair do tédio das idealizações que nos são familiares para que a vida aconteça. Talvez os estrangeiros, já bastante deslocados dos confortos da sua casa, entendam a lição mais rápido. A Carolina e o Ageu não foram lentos. A igreja deles celebrou o passo assustador dado pelo casal luso-brasileiro, forrado a fé. Como se faz isso? Com promessas. Estar lá para celebrar tudo isso da frente é uma das maravilhas que ser pastor evangélico me proporciona.

observador

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