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1977, a louca despedida de Forrest Hills

1977, a louca despedida de Forrest Hills

Décadas mais tarde, o comentador Bud Collins recordou o momento em que saiu da tribuna de imprensa para averiguar o que se tinha passado e como Nova Iorque temeu por momentos uma imagem que parecia retirada de “Black Sunday”, um filme estreado no princípio daquele ano sobre um ataque a um grande evento desportivo, neste caso ao Super Bowl. “Estávamos à espera do segundo tiro”. À época, o árbitro terá tranquilizado os tenistas dizendo que afinal não tinha sido um tiro (shot), mas apenas um episódio com um fã em choque. Só depois de McEnroe despachar Dibbs à melhor de três é que perceberam que tinha mesmo havido um disparo. John podia ter tido outra estreia, mas claro que não era a mesma coisa.

A raquete “spaghetti” do underdog que bateu Stan Smith

É possível um acessório ter tanto protagonismo quanto um tenista. Vá lá, claro que sim. A edição de 1977 não pode ser narrada sem a saga de uma raquete, ou “spaghetti racquet”, na sua versão completa, uma arma tão secreta quanto letal. Aos 22 anos, natural de Break Neck, Mike Fishbach ocupava um discreto lugar 200 no ranking quando travou Stan Smith com uma criação especial. Ainda não havia redes sociais, mas estas cordas viralizaram ao ponto da Federação Internacional de Ténis se ter reunido de emergência para avaliar as circunstâncias. Na verdade, nada nos regulamentos impunha o uso de uma raquete dita normal – o diretor do torneio terá mesmo comentado que nada impedia que alguém quisesse usar uma vassoura para bater a bola. E a história da raquete é igualmente boa.

No começo daquela década de 70, um horticultor alemão chamado Werner Fischer criou esta invenção com um encordoamento pouco usual, que recorria a nylon, fita adesiva e duplas fileiras que alteravam o desfecho do impacto da bola. Começou por conquistar amadores até cair no goto do profissional australiano Barry Phillips-Moore, que averbou umas vitórias com esta peça. Foi num périplo pelo circuito europeu que Fishback foi apresentado a esta raquete intrigante, que reforçava o spinning e o elemento surpresa.

A imagem da raquete que Werner Fischer tentou patentear

De regresso aos EUA, encarregou-se de fabricar a sua própria “spaguetti” até chegar ao resultado pretendido. Foi com ela que venceu três jogos de qualificação e garantiu o acesso ao quadro principal do Open. “Não se sabe o que vem daquela porcaria. Não conseguimos ouvir a bola a bater”, chegou a desabafar John Feaver, que enfrentou Fishback em Nova Iorque. Depois de bater Billy Martin, limpou Stan Smith com uns expressivos parciais de 6-0 e 6-2. E acendeu a controvérsia sobre a legalidade do objeto, que foi banido de vez umas semanas depois, já em França, quando Ilie Nastase interrompeu o ciclo de 53 vitórias consecutivas de Guillermo Vilas em terra batida. Furioso, o argentino abandonou o campo em protesto ao fim de dois sets.

Arruaça, guerra em campo e um dedo maroto para a câmara

O Open teve até direito a protestos anti-apartheid no exterior do estádio. Na esquina da 69th Avenue com a Clyde Street, cerca de 200 manifestantes do American Coordinating Committee for Equality in Sports and Society pediam o “fim do ténis com a África do Sul”, tentando convencer a Associação de Ténis dos Estados Unidos a romper relações de ténis com aquele país, nomeadamente na Taça Davis. O episódio levou até ao envolvimento do tenista afro-americano Arthur Ashe. Dentro de portas, os ânimos não eram propriamente mais calmos.

Num breve barómetro pelos públicos de Grand Slams, poucas dúvidas restarão de que a informalidade – chamemos-lhe assim – atinge o seu ponto alto ao cair de agosto, começo de setembro, em Nova Iorque. E a fama granjeada tem barbas. “Os verdadeiros vencedores do sexto dia do torneio de ténis mais louco da história foram os 12.298 espectadores que se recusaram a deixar o estádio no West Side Tennis Club. Os funcionários do torneio tinham acabado de lhes dizer que a última partida da tarde, entre Guillermo Vilas e José Higueras, não poderia ser jogada porque iria entrar em conflito com o início do programa da noite. Cantando “Não saímos daqui!” a multidão de capacidade ignorou os apelos feitos. Em vez disso, os espectadores vaiaram e encheram o court de laranjas, copos e outros detritos”, escreve a 6 de setembro, sobre a véspera, Neil Amdur, do The New York Times. Perante os protestos, funcionários do torneio rapidamente se reuniram no barracão do árbitro ao lado do estádio e não tiveram outro remédio senão agilizar o embate Vilas-Higueras assim que ambos os profissionais pudessem estar prontos e trazidos para o campo.

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Getty Images

(Mais) um momento tenso na vida de Jimmy Connors, que acabaria derrotado pelo argentino Guillermo Vilas © Getty Images

Os níveis de ferocidade física, mental e tática ficariam bem patentes também dentro do retângulo de jogo. “Isto é guerra”, terá mesmo dito Connors no desembrulhar dessa final contra Vilas, assinando o epitáfio do ténis enquanto modalidade para cavalheiros e diletantes. Adeus, programa de country club, olá, business puro e duro.

O sistema de advertências e penalizações para conduta imprópria pode ter sido introduzido no US Open, mas o público norte-americano ainda teve direito a ver pela televisão o momento em que o rebelde Ilie Nastase, na ronda inaugural frente a Corrado Barazzutti, esticou o dedo do meio para a câmara numa expressão de frustração.

Bom, e que dizer do nível de palavreado e gabarolice? “Se não tivesse a certeza de que ia vencer em Forest Hills há muito tempo que tinha voltado para Buenos Aires para comer um bom bife argentino!”, atirou Guillermo Vilas. Antes da semi-final contra Harold Salomon, também chamou o oponente de bebé chorão.

A batota de Connors, a revolta das massas e o triunfo de Vilas

O tom foi dado numas semi-finais que, sem grande surpresa, também tiveram a sua dose de controvérsia. Quando Corrado Barazzutti pediu ao juiz que verificasse a marca de uma bola junto à linha, o adversário Jimmy Connors voou para aquela zona e apagou os vestígios da jogada com o pé antes de que pudesse ser inspecionada. A ameaça de advertência pairou no ar, mas o desafio seguiria com toda a normalidade como se nada se tivesse passado. Perante a chico-espertice, Ion Tiriac, treinador de Guillermo Vilas, tirava apontamentos para a final. “Se ele planeia voltar a fazer isto, eu próprio entro em campo para acalmá-lo”.

observador

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